Os lembretes escritos na lousa são do mês passado,
percebeu a menina. Desembrulhou um bombom. Aquele tamanco não deveria estar ali. E nem
aqueles papéis. Com um suspiro ela se ajeitou na cama, fixou o olhar no teto e
desembrulhou outro bombom.
O que estou fazendo? Pensa ela, desembrulhando mais
um bombom. Nada. Absolutamente nada. Quer dizer, nada além de detonar essa
caixa de bombons. E nem sei por que estou fazendo isso, não estou sequer com
fome. Talvez seja só para passar o tempo. O que é péssimo. Vou ficar gorda
assim. Dane-se. Desembrulha mais um bombom.
Não posso ficar aqui, esperando a vida passar,
posso? Não. A vida não vai me esperar. Desembrulha mais um bombom. Os sons do
mundo lá fora entram pela janela aberta e preenchem o quarto. Desembrulhando
mais um bombom, a menina tenta distingui-los.
Uma aula de ginástica que mais parece uma balada,
uma moto passando rápida, um avião, a chuva fina que começava a cair.
Desembrulhou mais um bombom e continuou a ouvir. Outro avião, um carro com som
alto, os gritos de uma mulher, e de outra e de um cara também, alguma briga,
pensou, desembrulhando outro bombom. A chuva ficou mais forte, e começou a
atingi-la. Com um suspiro ela resolveu ignorar a chuva e pegar mais um bombom.
As luzes estavam apagadas e todos os sons foram
substituídos pelo barulho estrondoso das gotas de água contra a superfície das
casas e ruas. Desembrulhando mais um bombom, lembrou-se de que estava sozinha.
Aquilo não a assustava, ela estava acostumada a ficar só. Desembrulhando mais
um bombom, pegou o celular para olhar a hora, 23h55.
Os pais costumavam chegar tarde, mas não tanto
assim. Ela estendeu a mão para a caixa de bombons, e percebeu que ela estava
vazia. Levantou-se para fechar a janela e o vento jogou várias gotas de água
nela. A água era viscosa e escura. E tinha cheiro de... Espera isso não é água,
pensou. Fechou a janela com força e acendeu a luz do quarto. Ofuscada cobriu os
olhos com as mãos e viu o líquido escarlate escorrendo delas. Olhou para o
espelho á sua frente e se viu coberta de sangue.
Abriu a janela e viu que tudo estava escuro,
nenhuma luz acesa, só a de seu quarto. Mais vento veio em sua direção, ela deu
alguns passos para trás e sangue manchou o piso á sua frente.
Assustada fechou a janela com força, trancando-a.
Se afastou ainda olhando para a janela, esperando que algo terrível o
suficiente para explicar a chuva de sangue entrasse por ela. Nada aconteceu.
A menina respirava tão rápido quanto às batidas de
seu coração. Pegou o celular e correu para as escadas. Desceu-as rapidamente,
quase tropeçando nos próprios pés com a pressa, discou o numero da mãe, nada.
Olhou para a tela do celular. Sem sinal.
Começou a entrar em desespero, afinal, sempre havia
sinal em sua casa. Correu em direção ao telefone fixo e colocou-o no ouvido.
Mudo. Se estava começando a entrar no mar do desespero antes, agora estava se
afogando nele.
Sua respiração estava rápida e irregular, os pelos
de seus braços estavam arrepiados, mas não se atreveu a acender a luz, o que
quer que estivesse lá, ela não queria ver.
Um raio iluminou a sala, uma sombra se projetou de
uma forma que não parecia humana no meio da sala, a três metros dela. Sufocando
um grito a menina deu três passos para trás antes de tropeçar na escada e cair
sentada no primeiro degrau.
Mais um raio e ela viu a forma se mover devagar, em
direção a ela.
- Quem é você? – perguntou – O que você quer?
Ouviu o riso baixo da criatura á sua frente. E uma
voz masculina zombeteira respondeu:
- Eu? Você não precisa dessa informação, em breve o
seu sangue fará parte da minha chuva.
Mais um raio e a silhueta estava na sua frente,
ainda sentada na escada, com a cabeça apoiada na parede, assustada demais para
correr gritou:
- Fique longe de mim!
Ouviu mais um riso baixo e sentiu a criatura se
aproximando, devagar, sugando sua energia aos poucos, deixando-a cada segundo
mais vulnerável. A criatura repetia seu nome, e então, Lídia acordou.
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